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O Veneno Invisível: Como o Mercúrio do Garimpo Ilegal Ameaça Extinguir o Boto-Cor-de-Rosa na Amazônia

A ameaça

O boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) é mais do que um mamífero aquático; é uma lenda viva da Amazônia. Símbolo de mistério, fertilidade e da exuberância da maior floresta tropical do mundo, ele é, no entanto, a vítima mais notória de uma das maiores catástrofes ambientais atuais na região: a contaminação por mercúrio proveniente do garimpo ilegal de ouro.

Enquanto a atenção global se volta para o desmatamento, uma ameaça mais insidiosa e difícil de combater envenena os rios e a cadeia alimentar, atingindo o boto diretamente. Pesquisadores alertam: se nada for feito urgentemente, estamos caminhando para a perda irreversível de uma das espécies mais carismáticas do planeta.

O Ciclo Vicioso do Ouro e do Veneno

A principal fonte de mercúrio nos rios amazônicos é o processo rudimentar e ilegal de extração de ouro. Para separar o metal precioso dos sedimentos, os garimpeiros utilizam mercúrio líquido, que se liga ao ouro. Após a separação, o mercúrio é descartado diretamente nos rios ou liberado na atmosfera durante a queima do amálgama.

Uma vez na água, este mercúrio é transformado por bactérias em metilmercúrio, uma neurotoxina altamente perigosa. O metilmercúrio se acumula nos organismos aquáticos e sobe pela cadeia alimentar:

Como predador de topo e um animal de vida longa, o boto-cor-de-rosa acumula o mercúrio em quantidades alarmantes, tornando-se um indicador de toxicidade de toda a bacia hidrográfica.

Os Dados Científicos que Chocam

Os estudos científicos sobre a contaminação de cetáceos fluviais na Amazônia são conclusivos e sombrios:

100% de Contaminação: Um relatório abrangente da Iniciativa Golfinhos da América do Sul (SARDI), que envolveu organizações como o WWF Brasil e o Instituto Mamirauá, revelou que 100% dos botos-cor-de-rosa analisados apresentavam algum nível de contaminação por mercúrio.

Níveis de Alerta Máximo: Em regiões críticas, como a Bacia do Rio Tapajós (uma das mais afetadas pelo garimpo), pesquisadores encontraram botos com concentrações de mercúrio que podem ser até 20 vezes superiores ao limite considerado seguro para o consumo humano, segundo dados de monitoramento de universidades como a UFPA.

Consequências Irreversíveis na Vida dos Botos

O mercúrio não mata apenas. Ele incapacita o boto, comprometendo sua sobrevivência a longo prazo. Os efeitos do metal nos mamíferos aquáticos são devastadores:

  1. Danos Neurológicos: O metilmercúrio é uma potente neurotoxina. Nos botos, ela pode levar à cegueira, perda de audição e desorientação, dificultando a caça e a fuga de perigos.

  2. Falha Reprodutiva: A contaminação afeta a capacidade reprodutiva, sendo um dos maiores fatores para a baixa taxa de natalidade observada em populações sob risco.

  3. Supressão Imunológica: O metal enfraquece o sistema imunológico, tornando os botos mais vulneráveis a doenças e parasitas que, em condições normais, seriam facilmente combatidos.

A soma desses fatores coloca em xeque a capacidade de recuperação da espécie, mesmo que o garimpo fosse interrompido hoje.

Ameaça à Humanidade e ao Ecossistema

O envenenamento dos botos serve como um dramático aviso. O mercúrio que mata o golfinho fluvial é o mesmo que contamina os peixes consumidos pelas comunidades ribeirinhas e indígenas.

Pesquisas da Fiocruz e da UFPA já confirmaram altos níveis de mercúrio em populações humanas que dependem do Rio Tapajós, ligando diretamente o garimpo ilegal a problemas de saúde pública, incluindo danos neurológicos em crianças e problemas de desenvolvimento.

A proteção do boto-cor-de-rosa é, portanto, inseparável da proteção da saúde humana e da integridade de toda a Amazônia.

O Caminho para a Solução

Para salvar o boto-cor-de-rosa e descontaminar os rios da Amazônia, a ação deve ser imediata e multifacetada:

  • Fiscalização Rigorosa: O combate e a destruição das estruturas de garimpo ilegal são prioridade. É crucial fortalecer a atuação de órgãos como o IBAMA e a Polícia Federal nas áreas mais críticas.

  • Investigação e Ciência: É necessário aumentar o investimento em pesquisas que monitorem os níveis de mercúrio na fauna e mapeiem as áreas de maior risco para subsidiar políticas públicas eficazes.

  • Pressão Legal: O poder público deve ser cobrado para aplicar rigorosamente as leis ambientais e responsabilizar os financiadores da cadeia do ouro ilegal.

Referências:

Carta Capital – Botos da Amazônia estão contaminados com mercúrio, revela informe.
https://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/botos-da-amazonia-estao-contaminados-com-mercurio-revela-informe/

CIÊNCIA E VOZES DA AMAZÔNIA NA COP 30 – UFPA sedia evento internacional sobre os impactos do mercúrio na Amazônia.

WWF – Botos amazônicos continuam ameaçados pela ação humana.

WWF – Relatório do WWF aponta crise global de biodiversidade; botos amazônicos são um dos destaques.

FioTec – Fiocruz apresenta resultados do estudo ‘Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da Amazônia’